
Brasília — InkDesign News — O esquema de descontos indevidos na folha de pagamento de aposentados e pensionistas do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) foi viabilizado em 2019 a partir da aprovação de mudanças na legislação pelo Congresso Nacional, durante a tramitação da medida provisória 871, que teve impacto direto nas regras de revalidação dos descontos feitos por entidades associativas.
Contexto político
A medida provisória 871/2019, apresentada pelo governo do então presidente Jair Bolsonaro (PL), tinha como objetivo estabelecer novos mecanismos para identificar irregularidades e evitar fraudes em benefícios previdenciários. Relatada pelo deputado Paulo Eduardo Martins (PR), que atualmente é vice-prefeito de Curitiba pelo PL, a MP passou por intensa negociação no Congresso Nacional, especialmente na comissão mista que analisou o texto.
O projeto recebeu 578 emendas, grande parte formulada por partidos de oposição na época, com destaque para o PT, que apresentou 253 sugestões. Parte dessas emendas visava ampliar o prazo de revalidação dos descontos associativos — originalmente proposto pelo governo para ocorrer anualmente — para até cinco anos ou extinguir esse prazo, o que veio a ser aprovado, estendendo a revalidação para três anos inicialmente, e posteriormente removida pela MP 1107/2022.
Segundo o relator Paulo Eduardo Martins, a negociação transcendeu o espectro político da esquerda, abrangendo partidos do Centrão que buscavam evitar a derrubada da MP em votação, dada sua urgência e prazo de validade próximo:
“Essa era uma obsessão dos deputados de esquerda, mas que contaram com a adesão de alguns do Centrão. Como o governo ainda não tinha uma base organizada, teve que negociar para reduzir a obstrução e não perder a MP inteira, pois MP tem prazo de validade”
— Paulo Eduardo Martins, deputado federal e relator da MP 871/2019
Desde 1991, o desconto mensal em benefícios previdenciários por entidades do setor era permitido desde que autorizado pelos beneficiários, mas a MP dava novos contornos para o procedimento, provocando debates ligados aos direitos dos trabalhadores rurais e associados.
Reações e debates
A tramitação da MP 871 foi marcada por obstruções e negociações intensas no plenário da Câmara, com o texto aprovado no início da madrugada de 30 de maio de 2019 e sequer submetido a votação nominal sobre os descontos associativos. Lideranças da esquerda ressaltaram a defesa dos direitos dos trabalhadores, em especial os rurais, que foram afetados por mudanças na comprovação da atividade rural contidas no texto.
O líder do PT na Câmara, deputado Lindbergh Farias (RJ), destacou que a oposição à MP foi principalmente motivada pela preservação de direitos, e negou que o partido tenha apoiado a flexibilização dos prazos para descontos:
“O tema dos descontos era colateral, não foi objeto de votação nominal nem de destaques naquela ocasião. Nós nos colocamos contra a MP por entender que ela estava sendo usada pelo governo Bolsonaro para uma atividade cruel: cassar sumariamente os direitos dos trabalhadores”
— Lindbergh Farias, líder do PT na Câmara
A articulação política envolveu ainda deputados do PP e PDT, que buscaram modificar regras específicas relativas aos trabalhadores rurais, mantendo dispositivos que dificultaram comprovações simplificadas da atividade agrícola familiar.
Desdobramentos e desafios
Com a flexibilização da revalidação dos descontos associativos, o sistema passou a apresentar vulnerabilidades que permitiram fraudes na folha de pagamento do INSS, tema que tem sido alvo de investigações policiais e audiências no Senado para esclarecimento das responsabilidades. O ministro da Previdência, recentemente convocado para audiência no Senado, é uma peça-chave no acompanhamento das medidas para coibir esses abusos.
A extensão dos prazos para revalidação dos descontos, além da revogação da obrigação de revisão periódica, conforme alterada pela MP 1107/2022, comprometeu a fiscalização e criou brechas para irregularidades que impactam milhões de beneficiários.
O desafio legislativo e administrativo atual é articular mecanismos eficazes para evitar fraudes, garantir a transparência dos descontos e proteger os direitos dos aposentados e pensionistas, considerando a complexidade das negociações anteriores e a diversidade de interesses envolvidos.
O debate sobre a revisão dessas regras e a retomada do controle rigoroso sobre os descontos associativos no INSS permanece aberto, exigindo acompanhamento atento dos parlamentares, do Executivo e da sociedade civil para a construção de soluções eficazes.
Fonte: (CNN Brasil – Política)