
São Paulo — InkDesign News —
Um grupo de tecnólogos libertários propõe transformar a baía de Guantánamo em uma “charter city” de prosperidade econômica e inovação tecnológica, em um movimento que mistura o conceito de cidades startup com controvérsias históricas e sociais profundas. Essa iniciativa aborda a jurisdição única do local para escapar de regulações tradicionais, despertando debates sobre trabalho, imigração e poder estatal.
Contexto e lançamento
Desde o início do governo do ex-presidente Donald Trump, diversas propostas de “charter cities”, “startup cities” ou “freedom cities” ganharam destaque nos Estados Unidos, oferecendo áreas isentas de impostos e regulações para testar novos modelos econômicos e sociais. Essas iniciativas têm raízes em tentativas anteriores que prospectavam o uso de terras federais para fomentar inovação sem o peso das burocracias locais. O Charter Cities Institute (CCI) lançou recentemente uma proposta para aplicar este conceito em Guantánamo, localizada sob jurisdição dos EUA, mas com ausência de complexidades legais locais que caracterizam os territórios domésticos.
O apelo para Guantánamo emerge do desejo de criar uma zona onde o investimento privado, autonomia governamental e reformas no sistema migratório possam ser implementados sem aprovação legislativa adicional, sugerindo um laboratório social estatal que protagonizaria o avanço econômico e o controle das fronteiras.
Design e especificações
O plano da CCI inclui a implementação de uma “Guantanamo Bay Tech Visa”, destinada a acelerar a entrada de trabalhadores altamente qualificados, facilitando sua rápida integração ao mercado local. Além disso, prevê uma fase probatória para imigrantes, observando sua contribuição econômica e social em um ambiente controlado. Estruturas habitacionais e de trabalho seriam instaladas para acomodar e utilizar esses indivíduos em esquemas produtivos que ressoam com antigos modelos empresariais, como cidades operadas por corporações.
Apesar da retórica de inovação, o projeto carrega elementos que remetem a práticas controversas de exploração laboral, evocando o uso de trabalho coercitivo e a polarização das fronteiras entre cidadania e economia dentro de um contexto neoliberal.
Repercussão e aplicações
O impacto cultural da proposta é controverso. A ideia de “reenquadrar” Guantánamo, tradicionalmente associada a detenções, tortura e violações de direitos humanos, como um polo tecnológico evocou críticas severas. Joseph Margulies, professor da Cornell University e autor de Guantánamo and the Abuse of Presidential Power, declarou em entrevista ao New Republic:
“A proposta contempla a criação de um lugar onde seres humanos existem unicamente para demonstrar sua capacidade de participar de um experimento neoliberal. Isso é simplesmente horrível.”
(“[The proposal] contemplates the creation of a place where human beings exist solely to demonstrate their capacity to participate in a neoliberal experiment. That’s just horrific.”)— Joseph Margulies, Professor da Cornell University
Além disso, a proposta suscita questões legais sobre a real autonomia regulatória de Guantánamo, contestando a ideia de um espaço completamente desvinculado de leis locais e nacionais. O projeto é apoiado por bilionários do setor tecnológico, como Peter Thiel, Marc Andreessen e Balaji Srinivasan, refletindo uma convergência entre interesses corporativos e políticas públicas que reativam debates sobre autoria, governança e direitos humanos.
Outro aspecto relevante é a aplicação prática. A detenção de imigrantes em Guantánamo já ocorreu no passado, sob condições criticadas por organismos internacionais, e a expansão recente dos centros de detenção no local sinaliza uma continuidade das políticas migratórias restritivas e controversas.
“[…] construir essas cidades reabriria a fronteira, reacenderia a imaginação americana e daria a centenas de milhares de jovens e famílias trabalhadoras uma nova chance de possuir uma casa e, de fato, o sonho americano.”
(“[…] building these cities would ‘reopen the frontier, reignite American imagination, and give hundreds of thousands of young people and other people, all hardworking families, a new shot at home ownership and, in fact, the American dream.”)— Donald Trump, ex-presidente dos EUA
Esse panorama revela uma convergência entre experimentação urbana, tecnologia e políticas migratórias, apontando para futuros onde a criação de zonas autônomas pode reconfigurar as noções tradicionais de espaço, cidadania e liberdade econômica.
Para comunidades e observadores, a proposta da CCI serve como um alerta sobre os riscos sociais e éticos de “cidades de liberdade” que importam modelos corporativos e industriais para contextos sensíveis e historicamente marcados por violência e exclusão.
Este debate ressalta a importância de monitorar como tecnologias e modelos econômicos são aplicados no espaço urbano, com atenção para a proteção dos direitos humanos e para os impactos culturais das inovações.
Fonte: (Gizmodo – Cultura Tech & Geek)