
Paris — InkDesign News — Em 27 de setembro de 1822, o filólogo francês Jean-François Champollion anunciou ter decifrado a inscrição da Pedra de Roseta, um feito científico que abriu novas perspectivas para o estudo da civilização egípcia antiga. O marco, celebrado no meio acadêmico, foi resultado de anos de pesquisa minuciosa, consolidando uma nova era para a arqueologia e a linguística.
O Contexto da Pesquisa
Descoberta por soldados franceses em 1799, durante expedições napoleônicas no Egito, a Pedra de Roseta foi localizada na antiga cidade de Roseta (Rashid), após o oficial Pierre François Bouchard identificar o bloco granodiorito de 112 centímetros e 760 quilos incorporado em uma parede antiga. O artefato trazia inscrições em grego antigo, hieróglifos egípcios e demótico, uma escrita cursiva do Egito. O texto, logo identificado como um decreto de 196 a.C. em honra a Ptolemeu V Epifânio, oferecia indícios únicos para elucidar sistemas de escrita há séculos indecifráveis.
Com a derrota dos franceses por forças otomanas e britânicas, a pedra foi levada para Londres em 1801, passando a integrar o acervo do British Museum conforme os termos do Tratado de Alexandria. Pesquisadores logo perceberam que a inscrição era a chave para entender os hieróglifos e desvendar a história da administração, religião e cotidiano do Egito antigo.
Resultados e Metodologia
O processo de decifração foi gradual. Já em 1802, diplomatas suecos reconheceram similaridades entre o demótico e o copta, uma língua egípcia derivada, contribuindo para o avanço. Em 1819, o britânico Thomas Young publicou uma análise seminal, conectando 218 palavras do demótico a cerca de 200 hieróglifos associados, e identificando o nome “Ptolemy” como fonético. Young, contudo, supunha que apenas nomes e palavras estrangeiras poderiam ser lidas foneticamente, enquanto o restante dos hieróglifos seria predominantemente simbólico.
Champollion, ao retomar os estudos de Young, contestou esta hipótese e afirmou que o sistema hieroglífico era majoritariamente fonético e decifrável como um alfabeto. “Hieróglifos são um alfabeto completo”, defendeu Champollion, ao cruzar sistematicamente o texto grego e copta com as inscrições hieroglíficas. (“Hieroglyphs are a complete alphabet”)— Jean-François Champollion, Filólogo, Académie des Inscriptions et Belles-Lettres.
Relatos sugerem que, ao perceber a extensão de seu feito, Champollion teria desmaiado, embora este fato seja considerado mais um mito do que um registro histórico. Sua descoberta foi oficialmente anunciada à Académie des Inscriptions et Belles-Lettres em Paris, diante do então rival Thomas Young.
O sucesso da decifração desencadeou a fundação da egiptologia como campo científico, permitindo acesso a textos fundamentais como o “Livro dos Mortos”, receitas de mumificação, registros da vida cotidiana e a cronologia das dinastias egípcias.
“A tradução da Pedra de Roseta essencialmente criou o campo da Egiptologia e permitiu aos estudiosos compreender a sofisticada civilização do Nilo.”
(“The translation of the Rosetta Stone essentially created the field of Egyptology and allowed scholars to understand the sophisticated civilization that emerged on the banks of the Nile.”)— Equipe editorial, Live Science
Implicações e Próximos Passos
A decifração da Pedra de Roseta permanece um ponto central do patrimônio egípcio e um marco da ciência histórica. A partir dela, foi possível reconstruir rituais, crenças religiosas e práticas administrativas do Egito Antigo. O artefato, porém, tornou-se alvo de reivindicação do governo egípcio, que solicita sua devolução ao Egito há décadas, alegando se tratar de patrimônio nacional.
A comunidade científica prossegue com as investigações baseadas na metodologia interdisciplinar inaugurada por Champollion, ampliando a compreensão sobre sociedades antigas e sua escrita. Especialistas avaliam que a abordagem empregada pode ser replicada em outras áreas das ciências humanas para decifrar sistemas linguísticos ainda enigmáticos.
Encerrando o ciclo iniciado há mais de dois séculos, o legado da Pedra de Roseta demonstra como a colaboração internacional e o rigor científico podem desvendar os grandes mistérios da humanidade. Nas próximas décadas, espera-se que novas descobertas ampliem o entendimento sobre civilizações históricas, fomentando debates sobre conservação e pertencimento de artefatos culturais.
Fonte: (Live Science – Ciência)