
Zurique — InkDesign News — Um crânio mumificado, descoberto no século XIX e rotulado durante anos como pertencente a um “chefe tribal inca”, acaba de ser reinterpretado por arqueólogos da Universidade de Zurique. O estudo, publicado no International Journal of Osteoarchaeology, reposiciona a origem do artefato, agora atribuído a um membro respeitado da comunidade indígena aimará, sujeita ao império incaico há cerca de 350 anos.
O Contexto da Pesquisa
Coleções arqueológicas antigas frequentemente carregam histórias complexas e, por vezes, controversas — reflexo do início da disciplina, marcado por práticas eticamente questionáveis, desde escavações pouco rigorosas até apropriações de contextos culturais alheios. Em 1876, o suíço Louis Kuffré reuniu, no sul da América, artefatos e restos humanos, transferindo parte desse acervo para museus europeus. Entre eles, um crânio artificialmente alongado, rotulado como “nº 10”, que, conforme descrição original de Kuffré, teria pertencido a “um Inca da Bolívia”, sepultado junto ao monte Illimani.
Resultados e Metodologia
Os pesquisadores liderados por Claudine Abegg concluíram, após análise detalhada, que a identificação original era imprecisa. O crânio I Y-001 estava provavelmente associado a uma chullpa — torre funerária típica do povo aimará vivente na região do lago Titicaca, no limite atual do Peru com a Bolívia. Embora absorvidos pelo Império Inca, os aimarás mantinham tradições próprias, como o alongamento craniano, sem que isso fosse exclusividade dos líderes tribais. Sinais de uma cirurgia craniana inacabada, denominada trepanação, e marcas de sobrevivência à intervenção médica associam-se a outros dados históricos: a prática foi proibida oficialmente entre 1572 e 1575, situando a existência do indivíduo em, no mínimo, meados do século XVII.
“É preciso deixar de lado a própria perspectiva sobre a morte e o ‘tratamento correto’ dos restos humanos, questão ética que varia de pessoa para pessoa, de cultura para cultura.”
(“It requires that one set aside their own perspective on death and the ‘right’ treatment of human remains, which is a matter of ethics and changes from person to person, from culture to culture.”)— Claudine Abegg, Coautora do Estudo, Universidade de Zurique
Implicações e Próximos Passos
A revisão do crânio alongado exemplifica a necessidade de reavaliar coleções históricas, frequentemente marcadas por interpretações e procedimentos obsoletos. A metodologia do grupo evitou métodos destrutivos como datação por radiocarbono, optando por correlações históricas e culturais. Tais trabalhos levantam debates sobre a restituição, preservação e a ética na análise de acervos que, em grande parte, foram acumulados em contextos coloniais discutíveis.
“Objetivamente considerar os próprios vieses sobre qualquer assunto — e superá-los — não é algo trivial no cotidiano.”
(“Objectively considering one’s own biases on any given subject and bypassing them is not easy on a daily basis.”)— Claudine Abegg, Coautora do Estudo, Universidade de Zurique
O avanço desse tipo de pesquisa tende a redefinir conceitos antropológicos e arqueológicos, exigindo posturas mais críticas frente às coleções existentes em museus e universidades pelo mundo. Novos protocolos éticos e colaborações com as comunidades de origem estão entre as medidas defendidas por especialistas para garantir respeito e ciência de qualidade.
Fonte: (Popular Science – Ciência)