
Montreal — InkDesign News — Uma equipe liderada pela doutoranda Vishwangi Shah, da Universidade McGill, realizou uma descoberta surpreendente no início de 2024 ao analisar dados do Experimento Canadense de Mapeamento de Intensidade do Hidrogênio (CHIME). Durante a análise rotineira, o grupo identificou um surto rápido de rádio (FRB) vindo da periferia de uma galáxia “morta”, onde a presença desse fenômeno era inesperada. O avanço reacende discussões sobre o enigma da matéria comum “desaparecida” no universo.
O Contexto da Pesquisa
Desde a década de 1990, cosmólogos observam uma discrepância: apenas cerca de 70% da matéria bariônica prevista — partículas como prótons e nêutrons — foi de fato localizada. O modelo cosmológico Lambda-CDM estima que matéria “ordinária” represente 5% do universo, mas sua distribuição ainda desafia os cientistas. Diversos esforços tentaram rastrear essa matéria ausente, postulando sua presença em plasma quente entre galáxias, praticamente invisível aos telescópios tradicionais devido à sua extrema difusão.
“É como tentar enxergar névoa no escuro”
(“It’s like trying to see fog in the dark”)— Manisha Caleb, Astrofísica, Universidade de Sydney
O mistério não é trivial. A existência ou não da matéria prevista influencia diretamente a credibilidade dos modelos do Big Bang.
Resultados e Metodologia
Com a detecção do FRB pela equipe de Shah, uma conexão inesperada surgiu entre esses raros sinais e a busca pelos baryons faltantes. À medida que os FRBs atravessam o espaço intergaláctico, são retardados pela matéria bariônica — não pela matéria escura. Medindo esses “atrasos”, o método de dispersão, astrônomos conseguem inferir onde se esconde a matéria normal.
Desde a identificação acidental do primeiro FRB em 2007 por Duncan Lorimer, a hipótese ganhou força. Estudos recentes, incluindo uma análise internacional liderada por Matthew McQuinn a partir de 2020, confirmaram que FRBs são ferramentas eficazes para quantificar e mapear a matéria bariônica. McQuinn e colegas conseguiram mostrar que cerca de 76% dos baryons estão dispersos entre galáxias na forma de gás ionizado — o restante deve estar presente em outras regiões do cosmos.
“Conseguimos realmente apontar onde eles estiveram escondidos todo esse tempo”
(“We can actually pinpoint where they’ve been hiding all along”)— Liam Connor, Astrofísico, Universidade de Harvard
A precisão do método avança com o aumento do número de FRBs localizados. No momento, menos de 50 dessas explosões tiveram suas origens determinadas, de um universo de milhares detectadas.
Implicações e Próximos Passos
Mapear com exatidão a distribuição da matéria bariônica é crucial para a compreensão da formação de galáxias, evolução estelar e do próprio papel dos buracos negros supermassivos. O modo como a matéria “comum” se distribui dita processos essenciais: do resfriamento e aquecimento de buracos negros até a formação e evolução das estrelas.
Os principais radiotelescópios internacionais, como o CHIME e o Deep Synoptic Array 2000 (DSA‑2000), estão investindo na expansão de sua capacidade de localização desses surtos. Avanços previstos incluem identificar as origens de mais de 10 mil FRBs por ano, o que permitiria a construção de um verdadeiro “Google Maps bariônico” tridimensional do cosmos.
“O próximo passo é a escala: precisamos de centenas — idealmente milhares — de FRBs bem localizados para construir esse mapa cósmico”
(“The next steps are about scale. We need hundreds — ideally thousands — of well-localised FRBs so we can use them like pins in a cosmic map”)— Manisha Caleb, Astrofísica, Universidade de Sydney
À medida que as campanhas de detecção ampliam seu alcance, o campo espera correlacionar a estrutura da matéria ordinária com a distribuição de matéria escura, revelando as interconexões subjacentes na teia cósmica e redefinindo limites do nosso entendimento sobre a origem e a evolução do universo.
Ao final, a promessa de mapear, em até 20 anos, toda a matéria visível utilizando FRBs pode trazer respostas a enigmas fundamentais e consolidar — ou desafiar — os modelos vigentes da física e cosmologia.
Fonte: (Live Science – Ciência)